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RESUMO DA REPORTAGEM ORIGINAL
Tratamento de choque
Vilã nos filmes que retratam clínicas psiquiátricas decrépitas, a eletricidade volta remodelada e tem apresentado resultados promissores no combate a doenças como o câncer, a depressão e o mal de Parkinson
por Pablo Nogueira
Matar os colegas. Depois, a família e a si mesmo. Essas ideias dominavam a mente do metalúrgico Agnaldo Figueiredo, 39 anos, na véspera da Semana Santa de 2000. Arrastado até um psiquiatra, foi diagnosticado como depressivo. Apesar de cerca de três anos de tratamento ininterrupto, acabou desenvolvendo também transtorno obsessivo-compulsivo. Foi parar no sanatório. Estava internado havia meses quando seus irmãos o levaram a um médico com fama - e preços - nas alturas. O doutor receitou uma técnica que havia acabado de chegar ao Brasil: a estimulação magnética transcraniana repetitiva, EMTr. Valeu cada centavo: "Hoje voltei a trabalhar e a viver com minha mulher e minha filha", diz Figueiredo.
Em outubro passado, a eficácia da EMTr ganhou reconhecimento mundial. Após mais de 20 anos de uso experimental, foi aprovada pelo FDA, o órgão responsável pela fiscalização de alimentos e remédios nos EUA. E isso é a face mais visível de uma discreta revolução. Aos poucos, os consultórios estão incorporando tratamentos que substituem medicamentos químicos por correntes e campos elétricos e eletromagnéticos. Além da depressão, o mal de Parkinson e o câncer são males contra os quais esses novos recursos estão fazendo a diferença.
É possível distinguir duas ramificações entre esses novos tratamentos. Uma é composta pelas técnicas destinadas a curar as enfermidades relacionadas à atividade cerebral, como a EMTr. A outra atua nas mais diferentes regiões do corpo.
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A paz: o metalúrgico Agnaldo Figueiredo encontrou alívio contra a depressão nas sessões de estimulação magnética transcraniana repetitiva
(Crédito: foto realizada no Centro Brasileiro De Estimulação Magnética Transcraniana- CBrEMT) |
SEM ANESTESIA
Há uma forma de estimular o cérebro que não exige que o paciente se submeta ao risco de uma cirurgia. É justamente a estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr), o tratamento que tirou o técnico em metalurgia do fundo do poço da depressão. Atualmente, há grupos de pesquisa estudando os seus efeitos também no tratamento de transtorno obsessivo-compulsivo, epilepsia, dores de cabeça crônicas, distonia e o próprio mal de Parkinson. Em certo sentido, a difusão da EMTr pode parecer uma volta ao passado. É que antes de os primeiros medicamentos antidepressivos terem sido criados, os psiquiatras tratavam da depressão usando principalmente a eletroconvulsoterapia, também conhecida como eletrochoque. "O princípio de ação das duas é semelhante", diz Roni Cohen, o psiquiatra que trata de Figueiredo. O eletrochoque, porém, tinha o efeito de estimular a atividade de todas as regiões do cérebro. Isso levava em alguns casos ao surgimento de efeitos colaterais, como a perda de memória.
Na EMTr o médico posiciona um equipamento em forma de um grande 8 sobre a região do cérebro a ser estimulada. Dentro dele há uma bobina pela qual passa uma corrente elétrica de curtíssima duração que gera um campo magnético. O impulso atravessa o cérebro e alcança alguns neurônios. Estes sofrem uma alteração química que resulta na produção de neurotransmissores que, por sua vez, estimulam os neurônios vizinhos, criando um efeito cascata. A EMTr é usada tanto para aumentar quanto para inibir a atividade cerebral. Isso é útil, pois, no caso da depressão, há um aumento da atividade no lado direito do cérebro (emoções) e um decréscimo no esquerdo (pensamento pragmático). O tratamento pode se iniciar pela estimulação de um dos hemisférios ou pela inibição do outro. Após 10 ou 20 dias de aplicação, o cérebro equilibra a atividade dos dois, e a pessoa apresenta melhora.
A EMTr está disponível no Brasil desde 2000, embora ainda seja pouco conhecida. É uma esperança para quem, como Figueiredo, sofre de depressão refratária, isto é, não melhora mesmo quando tratado com antidepressivos de última geração. Tanto no Canadá quanto nos EUA, só pode ser utilizada depois que o tratamento químico falhou, o que ocorre em 30% dos casos.
Se é verdade que os mecanismos de funcionamento do cérebro e o papel da circulação da eletricidade no corpo humano são temas ainda pouco compreendidos pelos pesquisadores, o fato é que essa nova geração de tratamentos já está ao nosso redor. Eles despertam o estranhamento causado por toda novidade. Mas talvez no futuro próximo nós venhamos a considerar a aplicação de correntes elétricas no corpo algo tão cotidiano quanto o ato de tomar um comprimido duas vezes ao dia. Afinal, comprimidos, um dia, já foram novidade também.
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